quarta-feira, 18 de junho de 2008

Novo Esquema em Pirâmide varre Portugal

Faço mais uma pausa na explicação do negócio da Agel para registar algumas notícias sobre um mais que óbvio esquema em pirâmide - que só movimenta mesmo dinheiro (ainda por cima em notas) -, e que pelos vistos anda a enlouquecer até a classe média-alta da nossa sociedade: o "Jogo da Bolha" (ou jogo da bola, ou jogo da roda). Algumas pessoas já me haviam alertado para esta situação anteriormente, inclusive por e-mail, mas decidi abster-me de quaisquer comentários sem que houvesse dados concretos sobre o assunto. Pois bem, três jornais portugueses acabam de divulgar notícias sobre o caso.

Ver no Sol, no Diário de Notícias e no Correio de Manhã. (dêem uma olhada no rol de comentários à notícia do Sol... vale a pena verificar que lá estão os habituais acérrimos defensores da "legalidade" da trapaça.)

Debate na SIC

Reportagem da SIC sobre um antecedente famoso deste "Jogo da Bolha", o esquema "Ká te Kero".

Segundo as informações disponíveis, parecem-me claros os contornos da Pirâmide: investir um determinado valor monetário à cabeça e recuperá-lo através do posterior recrutamento de novos membros, até se atingir o "centro da bolha", altura em que se recupera um valor várias vezes acima do investido.

Tal como mencionado nas notícias, quando o esquema estoirar uma grande percentagem de inscritos vai ficar a arder com o dinheiro. Não sei se tenha pena deles ou se lhes diga "é bem feito"!

Leiam um alerta da PJ, feito em inícios de 2007, acerca de algumas "burlas" em pirâmide.

Em termos de legislação, e atendendo às características explicadas nos artigos de imprensa, parece à primeira vista que a legitimidade deste jogo esbarra directamente no muro de betão do Decreto-Lei 57/2008, artigo 8º, alínea r). Citando:

"São consideradas enganosas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:"
(...)
r) Criar, explorar ou promover um sistema de promoção em pirâmide em que o consumidor dá a sua própria contribuição em troca da possibilidade de receber uma contrapartida que decorra essencialmente da entrada de outros consumidores no sistema."

Isto daria direito coima tanto a organizadores como a participantes. Restaria arranjar maneira de provar os actos criminosos e de identificar quem foram os praticantes em concreto, coisa que não seria fácil. No final, seria possível que alguns bodes expiatórios fossem incriminados e que uma grande maioria de implicados acabasse por pagar, indirectamente, com o dinheiro que perdeu no jogo.

Contudo, há um impedimento explícito no decreto 57/2008 que condiciona a aplicação desta lei ao "Jogo da Bolha". O artigo 1º do diploma diz o seguinte:

"O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transacção comercial relativa a um bem ou serviço, transpondo para a ordem jurídica interna"

Se o jogo da bolha é organizado e promovido por pessoas, as leis anti-pirâmide em vigor na legislação portuguesa não lhe podem tocar, embora seja bastante claro que isto seja um "esquema em pirâmide". Interessante, não?

Podemos ainda olhar para o caso segundo outro ponto de vista (e que em todo o caso é difícil de provar):

Burla
Artigo 217º do Código Penal

1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Burla qualificada
Artigo 218º do Código Penal

1 - Quem praticar o facto previsto no nº 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - A pena é a de prisão de 2 a 8 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.


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ARTIGO DE OPINIÃO - retirado do Público de 20/06/2008

"O jogo da “bolha” a falência da justiça e as causas do atraso"

Autor: Graça Franco
Data: Sexta-feira, 20 de Junho de 2008
Pág.: 51
Temática: Opinião

Quanto mais difícil se torna ganhar dinheiro com o trabalho, mais proliferam os esquemas de geração de dinheiro fácil Os que trabalham e pagam os impostos vão suportando sozinhos os custos dos hospitais, das escolas e das estradas onde circulam os que arriscam” As notícias recentes sobre a proliferação de uma espécie de novas D. Brancas por todo o país (agora sob a forma de jogo da “bolha”) não seriam mais do que um sinal dos tempos, não fora a gravidade das declarações de alguns dos nossos mais destacados agentes do sistema judicial.
Quanto mais difícil se torna ganhar dinheiro através daquele velho esquema de muita transpiração e alguma inspiração, mais os esquemas de geração de dinheiro fácil proliferam. É assim em todas as crises onde especuladores e gente sem escrúpulos encontram e continuarão a encontrar o seu nicho de oportunidade. Neste quadro, as notícias de um crescendo da apetência de muitos para o recurso aos jogos de sorte/azar são apenas mais um sinal da crise. A notícia só passa de “breve” a manchete, quando se constata que a velha burla das “cadeias de amizade” à mistura com o clássico “esquema em pirâmide” que alimentou, anos a fio, o fenómeno dos altos juros pagos pela D. Branca se transformou numa coisa mais sofisticada e voltou a tomar de assalto os meios da classe média e média alta, agora sob a forma aparentemente mais inócua de “jogo” clandestino. Com as apostas a crescer de 50 euros para ganhar 400 até valores que rondam os 10 mil para ganhar 80 mil.
A reportagem, de segunda-feira do DN, depois das notícias do Sol da semana passada, segue a par e passo o fenómeno, com múltiplas declarações de jogadores, e explica, de forma credível e abundância de detalhes, os procedimentos em curso. Este jogo está a generalizar-se dentro de empresas entre os quadros qualificados, em alguns meios estudantis (daí o seu enorme perigo!) e empresariais, e um pouco por todo o país, chegando a “movimentar milhões”.
Mesmo existindo algum exagero, o texto inclui, entre outros, depoimentos de um jogador que contraiu um empréstimo no banco de seis mil euros para conseguir apostar 10 mil na esperança de, entretanto, lograr atrair novos amigos para o seu círculo de jogo (parece que o mínimo são dois!), essenciais para o arrastarem para o centro da cadeia, de forma a conseguir ganhar os 80 mil euros prometidos para quem percorre o caminho até final. O dito jogador teve sucesso e saiu de jogo embolsando os 80 mil, limpinhos, o que corresponde a uma mais-valia de 70 mil euros. Qualquer coisa como mais de sete anos de trabalho de alguém que receba um salário de 650 euros mensais.
Os encontros dos apostadores ocorrem em locais públicos; as entregas são feitas sempre em notas, para não deixar rasto. Tudo expectável. Tudo banal. Com uma única certeza a perpassar a reportagem: quando a cadeia de angariadores começar a falhar, as “bolhas” vão estoirar e os apostadores vão perder muito dinheiro. Algumas empresas já temem o stress que afectará os seus quadros jogadores. A sorte vai inevitavelmente dar lugar ao azar.
O espanto só chega no título da página ao lado: “Jogo baralha autoridades e ninguém sabe se é crime.” Homessa? Não sabe? Quem não sabe? Então para que serve a lei do jogo? Os ganhos de jogo deixaram de ser tributados? O fisco deixou de se preocupar com a tributação das mais-valias? Onde é que está a dúvida?
Segundo o DN, citando António Cluny (presidente do Sindicatos dos Magistrados do Ministério Público), para saber se é ilegal ou não, é necessário “um estudo jurídico profundo que abrange vários campos”. E o jornal explica: “Desde a lei do jogo, para saber se este é ou não lícito, até ao direito fiscal, para se verificar se há aqui ou não dinheiro que não é alvo de cobrança de impostos, até ao direito penal, para ver se há burla, passando pelas regras do mercado de capitais.”
O ridículo mata. Fica portanto em aberto - os jogadores que tomam todas aquelas medidas para não deixar rasto… são apenas cidadãos discretos, sempre pagaram atempadamente todos os impostos devidos e estão de consciência tranquila e sem nada a temer.
Melhor só mesmo a declaração de Carlos Anjos (presidente da Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal) que “disse ao DN que tem muitas dúvidas que possa ser considerado crime”. Porque “quem entra no jogo está consciente de que corre um risco. Sabe que vai entregar dinheiro que vai para quem está no centro e sabe que tem de arranjar pessoas suficientes para ganhar”. E a lei do jogo, o fiscozito, nada?
Que esperava eu, para meu sossego, e reforço da confiança no sistema judicial? Uma simples declaração de bom senso, do estilo: “Crime é. E disso parecem ter clara noção os intervenientes, pelos cuidados que estão a tomar para não deixar rasto. De fuga ao fisco parece mesmo ser muito claro… mas, dados os contornos, são crimes difíceis de investigar, de provar e de punir.” Com isto ficaria satisfeita, mas imagino que a minha expectativa resulta da condição de economista e da ignorância crassa em matéria de leis.
Uma coisa tenho a certeza: perguntem a um cidadão sueco ou finlandês se fugir ao fisco é crime e ele dirá sem a menor hesitação que é. Perguntem-lhe porquê e ele não hesitará em afirmar que é crime porque é ROUBAR numa das suas piores formas. Por cá o tema suscita um amplo debate e exige um estudo aprofundado!
Na dúvida, os que trabalham e pagam os respectivos impostos vão suportando sozinhos os custos dos hospitais, das escolas, das estradas onde circulam os que “arriscam” e gostam de apostar numa vida mais emocionante do que este rame-rame de trabalho, suor, impostos. E a sociedade como um todo não sabe exactamente se não temos, bem no fundo, rigorosamente os mesmos direitos, a mesma respeitabilidade! Quando a própria justiça se pergunta… Resta a ASAE. Quando se temia que ela fosse apenas fiscalizar os “furos” dos chocolates, acontece que ela está atenta à “bolha” das “bolhas” e parece que até já está mesmo a investigar. Perpassa portanto uma réstia de senso comum nos senhores que se celebrizaram por uma total falta de senso. Não sei é se está garantido que não entra a dúvida existencial sobre a legalidade da coisa nos próprios agentes. Se sim, acabam todos a “apostar”.

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Comentário meu: Nossa Senhora! Nem os legisladores sabem onde andam as leis....

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ARTIGO DE OPINIÃO - retirado do CM de 29/06/2008

O princípio da bolha

Autor: Fernanda Palma
Data: Domingo, 29 de Junho de 2008
Pág.: 14
Temática: Portugal

De tempos a tempos surgem jogos sociais cujo `Leitmotiv’ é todos poderem ganhar dinheiro a partir de uma modesta contribuição inicial. Para que o esquema resulte são necessários novos jogadores, que multiplicarão as contribuições, garantindo o lucro dos mais antigos. Mas os últimos já não poderão ganhar, pois os recursos estarão esgotados. Será então que a bolha explodirá.
Estes jogos de ‘bola de neve’ são, em princípio, burlas. E são burlas mesmo que alguns dos prejudicados possam ter previsto o risco. Trata se, na realidade, de uma lógica de burla contra incertos, em que os primeiros beneficiários burlam outras pessoas, mes - mo que não saibam de quem se trata.
Com efeito, será difícil aceitar que todos os prejudicados tenham obtido o esclarecimento suficiente para consentir no seu próprio prejuízo. Tal como no famoso conto do vigário, não deixa de existir burla de - vido à ingenuidade das vítimas. Só o consentimento consciente do ofendido excluirá a burla.
O jogo da bolha é a ilustração de uma sociedade construída no pressuposto de que alguns dos seus membros não têm lugar. São desempregados, excluídos e considerados inúteis. Uma sociedade de puro mercado, que baseie o funcionamento da sua economia na necessidade de sacrificar algumas pessoas funciona como o jogo da bolha.
John Rawls, um conhecido filósofo do Direito, formulou princípios de justiça que podem impedir essa perversão no funcionamento das instituições sociais. O primeiro princípio indica que devem ser assegurados, a cada pessoa, direitos e liberdades tão amplamente quanto for compatível com idênticos direitos e liberdades para as restantes.
Mas a este princípio igualitário acresce um outro, que considera que as desigualdades económicas e sociais só podem ser aceites quando redundem em benefícios para os mais necessitados. Além disso, essas desigualdades devem estar associadas a cargos ou funções aos quais todos os cidadãos tenham oportunidade de aceder.
Este será o modelo de Justiça de uma sociedade liberal em que a desigualdade em função da competência tem, em si mesma, um sentido de utilidade e cooperação e não obedece ao princípio da bolha que o jogo social evidencia. Aliás, como sublinha Rawls, não seria nada racional querermos manter coesão social quando alguns só podem perder ou, pelo menos, nada têm a ganhar.
Há lógicas sociais absurdas que transmitem a ideia de que alguns se podem salvar (económica ou até, no caso nuclear, pessoalmente), enquanto outros explodem.
Porém, mesmo nas competições só vale a pena ganhar ultrapassando as limitações próprias e não à custa do azar dos outros.
A bolha não é só burla, mas também a revelação de que a racionalidade não cooperativa é irracional.


5 comentários:

Anónimo disse...

Viva,

Aqui em V.N.Gaia, já ouvi rumores deste caso. Soube que dois familiares meus entraram no esquema. Um dele pediu dinheiro emprestado! Dou-me bem com eles, mas nunca falaram comigo sobre o assunto, porque senão já sabiam que iriam ficar com "as orelhas a arder".

Vai ser muito difícil investigar isto. As pessoas quando entram, já sabem para o que vão. As que ganharam alguma coisa, ficam caladinhas e as que perderem, mais caladas ficam, porque a vergonha vai ser maior e com o receio de serem apanhadas, não apresentam queixa.

Mas já ouvi comentários que nas escolas, os "putos" já fazem esquemas destes apartir do 10€!!

Além da (i)legalidade do "esquema" existe a grande probabilidade de se meterem com trapaceiros, e "adeus meus ricos €€"...

Dinheiro fácil!? Fácil, é perdê-lo!!

Edgar.

Pedro Menard disse...

Viva, Edgar,

É verdade... há ainda a vertente dos trapaceiros que nem ao esquema estão ligados e que vão aplicar o golpe a quem lhes aparecer no caminho - depois, quando já tiverem determinada quantia no bolso, desaparecer de circulação e nunca mais ninguém lhes põe a vista em cima. É uma grande oportunidade para esta gentalha.

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Quanto ao jogo em si, e em termos de probabilidades, não sei ao certo quanta gente perde dinheiro em relação aos que ganha, mas as percentagens devem ser a atirar para valores altos. A julgar pelas seguintes palavras:

"Basta pensar que, para uma pessoa ganhar, estão 16 a contribuir e que as bolas se multiplicam cada vez mais, lembra o presidente da ASFIC."

Temos:

1 em cada 16
2 em cada 32
4 em cada 64
8 em cada 128

Grosso modo, 93 em cada 100 pessoas ficarão a ver navios - o dinheiro que meteram no jogo será transferido graciosamente para as mãos das outras 7... (e depois haverá empréstimos bancários para pagar)

Cumprimentos.

Anónimo disse...

o jogo da bolha, roda ou outro nome que lhe possa conferir, não se trata de piramide. a piramide tem por difinitivo um lider quese mantem até o final, no caso da "bolha" cada pessoa que chegue ao centro e receba o seu dinheiro, sai e não tem mais nada a ver com o jogo a não ser que vlte a entrar.
acho que deveriam saber como funciona o jogo para poderem comentar.
normalmente os portugueses criticam ou opinam no meio da iguinorancia, é exactamente o que acontece aqui.
cumprimentos

Anónimo disse...

a discurção é muito interessante porem deixa de ter substancia quando se a percebe da iguinorancia dos que opinam nesta questão. na minha opinião deveriam tirar a limpo todo o funcionamento do jogo referido para depois tirar as conclusões. cumprimentos

Pedro Menard disse...

Caro anónimo,

Em relação a esta "discurção", a única coisa que atesta a "iguinorancia" dos comentadores é o estes tentarem passar uma esponja sobre a terrível realidade da farsa. A maioria dos "jogadores" que entrarem vai perder dinheiro.

Já agora, sugeria-lhe que tentasse perceber o que é de facto um esquema em pirâmide antes de vir para aqui mandar essas postas.

O único argumento que está a impedir a lei de actuar é o facto dessa aldrabice não estar a ser promovida por uma empresa (logo, está fora do âmbito dos decretos em questão). De resto, é um esquema em pirâmide ser tirar nem pôr.

Cumprimentos.